No dia 21 de abril de 2019, domingo de Páscoa, alguns sites da internet divulgaram que a rainha Elizabeth II, titular da Coroa britânica, completara 93 anos. A matéria estampava a foto da rainha, sorridente e elegante, sendo observada com encantamento pela família real.

Quanta realidade há nos retratos da vida real? 

Em relação à família real britânica, é difícil afirmar se as imagens divulgadas refletem a espontaneidade de seus integrantes ou apenas a manutenção das aparências de uma vida programada para ser admirada e cobiçada pelo mundo.

Qualquer que seja a resposta, o certo é que as consequências comportamentais geradas pela ilusão dos contos de fadas, reais ou fantasiosos, vão de encontro à construção de uma vida genuína. A expectativa de uma vida irrealizável, no lugar de gerar pensamentos e construções exequíveis, torna-se matéria-prima para uma existência permeada de frustrações.

Não há mágica no desenvolvimento pessoal, tampouco um final feliz que deva ser almejado segundo o padrão socialmente aceito. A realização existencial deve ser consequência de uma vida autêntica, dirigida por um processo consciente de autopercepção, crescimento pessoal e assertividade nas decisões. Do contrário, não haverá uma trajetória própria, mas apenas uma tentativa de imitação.

Note-se que os malefícios das crenças originadas na ficção não se restringem às idealizações baseadas na imagem de uma família real. As histórias de super-heróis, que preenchem o cotidiano infantil, também influenciam concepções adultas de soluções baseadas em ídolos e messias. Nesse modelo, contudo, o protagonismo é dos outros…

Sendo assim, sobram justificativas. A explicação para os problemas está sempre nas circunstâncias externas ou nas fatalidades. Em outras palavras, essa forma de pensar sempre procura um culpado: os outros ou a sociedade. Por óbvio, não sobra muito espaço para a assunção de responsabilidades.

Dessa forma, é evidente que inexistem condições para a construção de novas realidades. A efetivação de mudanças desejadas tem como pressuposto o conhecimento daquilo que se quer mudar.

Nesse aspecto, é oportuno recordar o Mito da Caverna, no qual Platão

“nos convidou a imaginar uma caverna na qual pessoas estão aprisionadas desde o nascimento, amarradas, encarando a parede ao fundo, na escuridão. Elas só podem olhar para a frente. Atrás dos prisioneiros há uma chama brilhante que lança sombras na parede para a qual eles olham. Há também uma plataforma entre o fogo e os prisioneiros, na qual pessoas andam e exibem vários objetos de tempos em tempos, de modo que as sombras desses objetos são lançadas na parede. Tais sombras são tudo o que os prisioneiros conhecem do mundo, e eles não tem noção alguma sobre objetos reais. (…)”[1]

Na metáfora da caverna, a realidade dos prisioneiros se resumia às imagens formadas pelas sombras refletidas na parede. A sociedade moderna também comporta prisioneiros, acorrentados por crenças e preconceitos. Para essas pessoas, a percepção da realidade também é limitada e distorcida. Inclusive, quando se tornam meros expectadores da própria história.

Por isso, um dos grandes desafios para a sociedade parece ser a compreensão de que não existe apenas uma realidade. Para tanto, é imprescindível entender o papel da percepção. Contudo, apenas entender não basta. É fundamental examinar quais são as crenças e preconceitos que dirigem o processo de apreensão da realidade. Afinal, “a ilusão mais perigosa de todas é a de que existe apenas uma realidade.”[2].

A partir dessas reflexões, é possível voltar à indagação inicial, não somente em relação às fotos da realeza britânica, mas também a respeito das próprias imagens: realidade ou ficção?

[1] O livro da Filosofia. Tradução Douglas Kim. São Paulo: Globo Editora, p. 53-54.

[2] Watzlawick, Paul. A Realidade é Real? Tradução Maria Vasconcelos Moreira. Editora Relógio D’Água, p. 7.

 

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Adriana Bravim

Analista Judiciário da Área Judiciária do Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região, especializada em Direito Público e Privado